Os passos não tem a mesma velocidade, mas o jeito animado é igual ao que eu conheci anos antes. Cheguei à casa do Sr. Paulino, 96 anos, no horário marcado para entrevista e ele me esperava caminhando na calçada. Uma caminhada lenta, com apoio de um cabo de vassoura.

Quando ele percebeu que eu iria tirar foto, tentou esconder o apoio. Percebi então, que apesar da saúde debilitada, sr. Paulino quer continuar sendo aquele “senhor atleta”, conhecido em Dourados, ou melhor, no Brasil. Afinal, já foi até no Domingão do Faustão, por ser o atleta mais velho a correr na São Silvestre.

QUEM É “SEO” PAULINO

Todos o chamam de “seo” Paulino. O nome completo é Francisco José Paulino, nascido em 11 de fevereiro de 1919, no Rio de Janeiro. Apesar de ser carioca, ele se diz douradense, pois foi nesta cidade que conheceu sua maior paixão, a corrida. Mas antes de falar do esporte que o tornou conhecido em todo o país, conversamos um pouco sobre a história dele, que daria uma bela novela de época, recheada de recomeços.

RECOMEÇOS

Sr. Paulino é de família grande, teve 11 irmãos, ele é o único vivo. “Fiz bem em correr, só estou eu aqui nessa vida, acho que é porque sou atleta”, faz questão de ressaltar. Ele já morou em vários estados, saiu do Rio de Janeiro para São Paulo onde teve quatro filhos.

Lá trabalhava em uma feira vendendo ervas medicinais. Um dia as barracas foram incendiadas e a dele foi a mais prejudicada, perdeu tudo. Se mudou, sozinho, para o Paraná onde recomeçou a vida e conheceu a nova esposa, Maria Amélia. Dois anos depois, em 1974 se mudou para Dourados.

DOURADOS

Ele conta que quando chegou na cidade, era quase tudo mato e barro. Não tinha energia elétrica. Comprou um terreno com o único dinheiro que tinha no bolso. Construiu a casa com as próprias mãos, onde mora até hoje. “Cada tijolinho fui eu que coloquei, cavei buraco, levantei parede, tudo eu”, lembra com orgulho.

Trabalhou por muitos anos na feira da rua Cuiabá vendendo ervas medicinais.Em junho deste ano, a companheira Maria Amélia, faleceu. Hoje Sr. Paulino vive sozinho, mas a casa continua do jeito que ela deixou, inclusive a máquina de costura, onde ela fazia os reparos nas roupas e bandeira que ele levava nas corridas.

CORRIDA

Em cada instante que tento puxar um assunto, Sr. Paulino dá um jeito de voltar a falar em corrida, está na cara que este é seu grande orgulho e com razão. Já conquistou pelo menos 180 medalhas. E se você pensa que a quantidade é grande porque corre desde jovem, está enganado.

Quando chegou a Dourados conheceu o Mestre Guerreiro (capoeirista que também merece ter sua história contada aqui). “Perguntei pro mestre guerreiro: velho pode fazer esses negócios? Ele falou que para praticar esporte não tinha idade, eu acreditei”, lembra o atleta.E foi aí que a corrida entrou na vida dele, pegou gosto pelo esporte e, aos setenta e poucos anos, se reinventou mais uma vez. Sr. Paulino perdeu as contas de quantas competições participou, só da São Silvestre foram 13 vezes, em todas ficou em primeiro lugar. “Era fácil ficar em primeiro, pois eu era o único da minha idade, então sempre ganhava naquela categoria”, ri de si mesmo.

DOMINGÃO DO FAUSTÃO

Foi por ser único dessa idade que ele ganhou destaque nacional. Em 2008 a produção do Domingão do Faustão veio buscá-lo para uma entrevista ao vivo no programa. O que ele mais gostou disso tudo? “Foi a primeira vez andei de avião, esse era meu maior sonho, foi muito bom”.

ÚLTIMA CORRIDA

A última corrida que Sr. Paulino participou foi a São Silvestre de 2013. No ano seguinte ele ficou doente e passou por duas cirurgias, uma no estômago e outra na perna. Ele ficou 10 meses sem poder levantar da cama. Imagine, um senhor ativo como ele, acamado?!!! “Foram maus momentos, mas passou, não quero falar disso”. Tudo bem Sr. Paulino!!!!

A VIDA DE ATLETA ACABOU???

Que nada!!! “Se Deus me chamar, eu estou pronto pra ir, já fiz de tudo nessa vida. Mas se Ele deixar, estou fazendo fisioterapia e quem sabe, corro pelo menos 500 metros”.Nessa hora eu já estava em lágrimas e perguntei qual seu maior orgulho? Pensei que ele responderia sobre todas as medalhas....só que ele conseguiu me fazer chorar um pouco mais.

“Meu orgulho é ter trabalhado a vida toda e não dever nada pra ninguém, eu só devo minha alma pra Deus, posso ir tranquilo”.

NA HORA DO TCHAU, UMA SURPRESA

Ele fez questão de me levar ao portão e quando eu já estava chegando no carro, tive que voltar para registrar esse momento: