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Mãezona da praça Antônio João

Quem passa na praça Antônio João em Dourados, com certeza já a viu. Pode não ter dado muita atenção, mas deveria, pois se trata de uma mulher que faz parte da história do principal cartão postal da cidade. A praça, para ela, já foi local de brincar e há sete anos virou ponto de trabalho. A coluna Gente da Cidade conta a história da dona Carmelita, que nunca foi mãe, só que é considerada a “mãezona da praça Antônio João”.

Gente da Cidade - Mãezona da praça Antônio João

Confira nossa coluna "Gente da Cidade" desta Semana!

Posted by FM Cidade 101 on Quinta, 20 de agosto de 2015

Carmelita Rosa Gama, nasceu em Rio das Contas na Bahia, no dia 24 de fevereiro de 1968. Porém, foi registrada no dia 21 de agosto. De família extremamente pobre, já passou fome e sabe o que é trabalhar em troca de um prato de comida.

O pai, abandonou os 5 filhos com a mãe. É aquela velha história, de que o homem da casa foi para São Paulo e nunca mais voltou. A mãe dela teve que criar todos com o pouco dinheiro que ganhava trabalhando em lavouras de arroz. Mas nem sempre o salário era suficiente e faltava comida.

“Eu sou a filha mais velha, então desde nova tinha que lavar a louça e cuidar da casa, a louça eu lavava no rio, pois não tinha água encanada. Às vezes eu trabalhava em fazendas dos vizinhos para ganhar comida”.

DOURADOS

Sem ter como sustentar a todos, a mãe mandou Carmerlita, com 11 anos, para a casa de parentes em Dourados. Ela se sentiu abandonada. “Achava que minha mãe não gostava de mim”.

Era 1968, quando chegou a Mato Grosso do Sul. A cidade não tinha asfalto e o principal lugar para brincar era na praça Antônio João. “Eu vinha pra cá com um amigo que trabalhava como engraxate. Era tudo areia. A gente brincava na gangorra que tinha e numa roda. Era muito divertido.”

DE PORTA EM PORTA

Dona Carmelita sempre gostou de artesanato e de cozinhar. Foi fazendo essas coisas que conseguiu dinheiro para viver. Ela vendia seus produtos de casa em casa, percorria a cidade com sua mobilete. “Mas aí comecei a receber uns calotes e percebi que tinha que arrumar um lugar fixo para trabalhar”

 

ARTESANATO NA PRAÇA

O crochê aprendeu a fazer sozinha. Os outros talentos aperfeiçoou em cursos, muitos, pagos por amigos. Aliás, ela é daquelas que faz amizade por onde passa. Sabe aquela pessoa risonha, que conversa como se te conhecesse há um tempão? Dona Carmelita é assim.

Há sete anos, entrou para associação de artesãos de Dourados, onde fez mais amigos e começou a trabalhar na praça. Aquela mesma praça onde brincava e agora é o lugar de onde tira o sustento.

Ela acorda às 4h da madruga, faz almoço, prepara marmita, pega o ônibus e vem da sitioca Campina Verde, onde mora, até a praça. Ali passa a maior parte do tempo. É a única que fica no local de segunda a sexta, das 7 às 17h. Não tem ponto para bater, é claro, mas tem tanto orgulho do que faz que não admite faltar, nem chegar atrasada. “Eu amo aqui, a praça é minha casa. E elas (as artesãs), são minha família”.

ESCOLA AOS 52 ANOS

Dona Carmelita aprendeu a ler e escrever o básico quando era criança. Mas a mulher é guerreira e resolveu voltar para escola aos 52 anos. Completou o ensino fundamental pelo EJA. “Me ajudou muito. Entender melhor o que estava escrito fez eu me sentir gente”, confessa e dá risada.

FILHOS

A artesã não é casada no papel, mas está junto com seu companheiro há mais de 40 anos. Nunca tiveram filhos. “Deus não me deu filhos, não sei porquê, mas não discuto. Já pensei em adotar, só que o medo foi maior”.O fato de não ter filhos, para ela, não significa solidão. Ela nunca está sozinha. “Eu gosto das pessoas. O que mais gosto é ajudar os outros. Faço coisas de coração. Então, estou sempre rodeada de amigos que são minha família. Especialmente aqui na praça”.

PRAÇA: O PALCO DA VIDA

Na praça Antônio João, ela não só tem uma família, como passa a conhecer muita gente e ver diversas cenas engraçadas, tristes e interessantes.“Já vi de tudo aqui. Briga de casal, gente namorando, protestos, missas. A praça é meu cinema.

Um cinema real”, diz e dá uma gargalhada tão gostosa que me lembra minha vó já falecida.Eu pergunto se ela pensa em mudar de emprego, ou de local de trabalho. “Nem pensar, tá doida? Aqui é minha vida. Elas são minha família. Somos um por todos, todos por um”.

DEPOIMENTO DAS AMIGAS

Ela falou tanto da tal “família da praça”, que pedi para as amigas artesãs falarem um pouco sobre a Dona Carmelita. E aí, eu percebi que a impressão que eu tinha sobre ela, estava errada. Ela não é só uma senhora simpática e trabalheira. Ela também é a MÃEZONA DA PRAÇA.

“A Carmelita é minha amiga, é da minha família. Eu sou sozinha, por isso gosto tanto de trabalhar aqui, pois elas são minhas companheiras. Aqui tenho calor humano. Sabemos tudo uma da outra. A Carmelita é maravilhosa, um ser humano bom”, declara Ivana Durand Rosa.

“Ela ajuda todo mundo. Ninguém passa dificuldade perto dela. Ela move o mundo por nós. Ela acolhe todos que chegam”, Vanuza Rosio da Silva, diz emocionada.

Por Miriam Névola

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